Em 1986 completei dezesseis anos de idade. Já naquela época tinha certeza que queria me tornar advogado. Não por acaso, acabei por acompanhar, com atenção, os trabalhos e as discussões da constituinte que, convocada em 1985 pelo Presidente José Sarney, culminaria anos depois com a Constituição Federal do Brasil de 1988. Além do meu aniversário, guardo na memória o lançamento do filme Highlander – o guerreiro imortal.
Connor MacLeod (personagem de Christopher Lambert) é um jovem escocês que se descobre imortal após ser morto em combate e ressuscitar. Expulso do seu clã, vagou até a região das Highlands, na Escócia, e ali viveu até a morte de sua amada esposa Heather. Foi lá que conheceu aquele que se tornaria seu grande amigo e mentor, o também imortal Juan Sanches Villa-Lobos Ramirez (Personagem de Sean Connery) que o ensina a lutar e lhe esclarece sobre sua condição de imortal, a qual somente deixaria de prevalecer se porventura viesse a ter a cabeça destacada do corpo. Informou-lhe que permaneceria imortal se isso não acontecesse e que os últimos imortais seriam atraídos para um local distante em que haveria um grande combate, no qual só poderia restar um imortal vivo.
Imortal também é a forma como são conhecidos os grandes nomes da nossa literatura e que são laureados com a honra de integrarem as nossas Academias de Letras. Vários maranhenses tiveram a honra de integrar a Academia Brasileira de Letras (José Sarney e Ferreira Goulart são exemplos recentes). Aqui no Maranhão, a Academia Maranhense de Letras, também chamada “Casa de Antônio Lobo”, contou com inúmeros nomes expressivos da nossa literatura, alguns dos quais tive a honra de conhecer pessoalmente, acesso que me foi permitido devido aos laços de amizade que uniam este grandes vultos da nossa literatura ao meu pai, Antônio José Muniz. Destaco, dentre tantos, José Sarney, Milson e Elsior Coutinho , Benedito Buzar, Lourival Serejo, Joaquim Haickel e Joaquim Itapary. Mais recentemente, meus professores Alberto José Tavares Vieira da Silva e Reynaldo Soares da Fonseca, e os amigos Felix Alberto, Daniel Blume e Alexandre Lago passaram a integrar esse seleto grupo, razão pela qual chamo-os desde então de Highlander, vez que sempre foram guerreiros, e posteriormente tornaram-se imortais.
A trilha sonora de Highlander – o guerreiro imortal coube ao grupo Queen e foi a música “Who Wants to Live Forever” (Quem quer viver para sempre), aquela que mais se destacou, passando a viver em minhas recordações.
Hoje o Maranhão perdeu não somente um imortal na melhor acepção da palavra, mas um homem integro, técnico preparadíssimo, historiador, cronista, ensaísta, professor, marido amoroso, avô, bisavô, amigo fiel e, para mim, além de tudo, pai presente dos meus amigos Marko, Marcelo, Márcia e Maurício.
Incrível o silêncio ensurdecedor que fica para mim quando parte o pai ou a mãe de amigos queridos.
Dr. Joaquim Itapary de tantos, para mim e nossos amigos próximos era o Quinzão, uma pessoa exponencial, de fino trato, elegante, bom papo, humor afiado, sempre disposto a compartilhar sua enorme experiência de vida, seus causos, sua história e sua enorme sapiência. Como era bom e enriquecedor conversar com ele e ouví-lo falar, com entusiasmo, sobre seus escritos. Foi assim quando nos contou, por exemplo, sobre Hitler no Maranhão. Também quando se reportava a sua querida São Bento, cidade da baixada maranhense, nosso próprio pantanal.
Ele foi chefe e amigo pessoal do meu pai. Esteve conosco várias vezes em Santa Rita. Dos fiéis amigos que frequentavam nossa casa, como Elsior Coutinho, Benedito Buzar, Benedito Primeiro e Benedito Terceiro, Baima Serra, ele era o recordista de presenças. Gostava das conversas, da boa comida e dos ares do campo, sempre atento para algo que lhe despertasse a veia literária. Lembro de ver seus olhos brilhando quando papai contou a história do forno de cobre da nossa casa de farinha e como a JM se tornou a marca responsável por dar ao povoado Carema a fama de possuir a melhor farinha do Maranhão. Idem quando soube que três telas de Sâo Patrício foram pintadas na Europa por um renomado artista do século XVII e que uma delas, trazida para o Brasil pelo Conde Irlandês Bedford, está em Kelru, divisa entre Santa Rita e Itapecuru-mirim (MA), na Fazenda de mesmo nome, tendo pertencido ao casal Firmina (minha tia/avó, vez que irmã do meu avô paterno José Bonifácio) e Major Lima, e que as outras duas estão na Catedral de Saint Patrick, em Nova York. Ainda, quando ouvia falar sobre a construção da Ferrovia São Luís/Teresina e sua importância para o desenvolvimento do Maranhão. Lembro de sua empolgação contando histórias na casa de Wissam Malouf no Caúra, São José de Ribamar (MA). Belas lembranças que ficarão para sempre.
Ao longo dos meus cinquenta e quatro anos, ouvi muito falar sobre a busca incessante pela fonte da juventude ou até mesmo pelo Santo Graal, o cálice em que Jesus Cristo teria bebido na última ceia e que teria sido ainda receptáculo do seu sangue, responsável pela vida eterna daqueles que pudessem beber do líquido que nele fosse colocado. Me pergunto: viver para sempre pra quê?
A vida é uma sequência de aprendizados, conquistas, momentos e sentimentos que nos são dados por Deus para o cumprimento da nossa missão terrena. Convivemos com situações e pessoas que nos são importantes, fundamentais até, mas que, algum dia, partirão. Essa é essência da vida. Nascer, viver e morrer. O filme que ilustra este texto nos remete à reflexão sobre viver eternamente e a conclusão a que se chega é que, por mais que a vida eterna lhe permitisse influenciar gerações futuras, a dor de ver partir seus entes queridos sem envelhecer é tão negativa que o grande prêmio era poder envelhecer e morrer.
O normal, para os simples mortais, é viver, morrer e ser lembrando por filhos, netos e bisnetos. Depois disso qualquer um será apenas uma memória de alguém que teve alguma importância naquela contexto familiar. Para alguns poucos, contudo, sua produção em vida lhes reserva o panteão da história. Joaquim Salles de Oliveira Itapary Filho é um desses poucos que saem da vida para entrar para a história. A imortalidade, pois, não é física. É histórica e espiritual. Ele será para sempre lembrado não somente pelo grande homem que foi, mas pela sua produção literária de envergadura ímpar, notadamente no contexto histórico.
Num país em que a literatura não recebe o apoio devido e num Estado que cometeu o crime de transformar o seu órgão editor e incentivador da produção literária local num apêndice de uma secretaria (refiro-me ao Serviço de Imprensa e Obras Gráficas do Estado-SIOGE) – outrora Atenas Brasileira, hoje apenas – saber que um intelectual como Joaquim Itapary entra formalmente para a imortalidade soa como uma esperança de que, algum dia, a palavra escrita voltará a se fazer ouvir como se fez algum dia.
Talvez muito poucos almejem a honra de viver na memória daqueles cuja vida eles ajudarão, com sua obra, a inspirar. Joaquim ficará para sempre como o imortal cuja obra o tempo não apagará.
Quem quer viver para sempre? Somente aqueles que compreendem e vivem o processo para alcançar o propósito. Ele alcançou.
Descanse em paz meu amigo. A imortalidade lhe alcançou.