Ainda menino, meus pais levavam os filhos e primos para acompanhar o carnaval de rua na praça João Lisboa. Ali sentávamos no meio-fio para aguardar os blocos que vinham da Rua do Sol. Lembro como se fosse hoje dos fofões que traziam bonecas nas mãos e simulavam trocá-las por alguns trocados. Durante o dia ficávamos nos bairros fazendo blocos de sujo e brincando com as bombas d’água que fazíamos com canos velhos, cabos de vassoura cortados e uma rodela de havaiana presa na ponta para dar pressão a água. Belas lembranças de um carnaval distante.
Passado um tempo, já na adolescência, lembro do carnaval nos clubes. Brinquei muito no Casino, Litero e Jaguarema ao som de bandas como Nonato e seu Conjunto e os fantoches. Ninguém ficava parado quando os primeiros acordes dos metais ecoavam nos salões. No fim da noite, exauridos e famintos, nos dirigiamos à Rodoviária velha que ficava próximo da rampa de acesso a avenida quarto centenário de hoje para nos deliciarmos com o bom e velho mocotó das lanchonetes. Ainda consegui levar minha filha Vanessa na vesperal do Litero. Éramos três gerações de foliões (meus pais, eu e minha mulher e nossa filha), atendidos pelo garçom Policarpo, juntos vivendo os últimos momentos de um passado que hoje só vive em nossas recordações. Pouco tempo depois o Litero fechou as portas e virou ruinas, mesmo destino que coube ao lindo Jaguarema de tantas noites esportivas.
Com o fim do carnaval de clubes, voltamos todos ao tradicional carnaval de rua. Da Madre Deus, reduto de bambas à Rua do Passeio e de São Pantaleão, passando pela Praça Deodoro, multidões se acotovelavam para ver, ouvir e brincar ao som de blocos como esbandalhada, jegue folia, vagabundos do jegue, cordão do ponto com, siri com câimbra, e tantos outros, além dos blocos tradicionais como Os Foliões e Príncipes de Roma que se apresentavam também na avenida juntamente com as escolas de samba, destacando-se a rivalidade de anos entre Flor do Samba, Turma do Quinto, Favela do Samba e Unidos de Fátima. Nosso point era na casa da avó do meu amigo Lino Osvaldo, próximo do antigo Colégio Dom Bosco. Os fofões foram acusados de serem usados para a prática de furto e por um tempo foram proibidos. Uma pena. A roda do tempo girou outra vez.
Já fazia um bom tempo que eu não saia de casa para ver o carnaval. Hoje fui, de carona, almoçar na casa de uma amiga querida e de lá, sem que ninguém aceitasse me levar em casa, fui levado a conhecer o carnaval do circuito Beira-mar e ver a grande atração do dia, a cantora Elza Soares. Sempre acompanhei seu trabalho, mais pela curiosidade de ter sido casada com o gênio do futebol Mané Garrincha do que propriamente pelo seu repertório ou seus pendores vocais. Sem escolha, fui. Paramos em frente do Hospital Dutra, passamos pela praça Gonçalves Dias e chegamos à Beira-mar, em frente ao Dnit, pela Praça Maria Aragão. Uma pernada porque o acesso pela ponte José Sarney estava proibido. Passamos por um mar de gente entre três palcos aonde se revezavam atrações musicais que produziam algo próximo de músicas carnavalescas. Quantas pessoas estavam ali por pura falta de opção! Ao chegarmos em frente ao antigo Casino Maranhense, local destinado à apresentação da Elza Soares tive uma certeza inarredável: nosso carnaval agoniza na mesma proporção da carreira da artista que, se um dia foi grande, hoje não passa de um reflexo distorcido refletido em um espelho quebrado. Sequer se apresentava sobre as próprias pernas. A voz forte e rouca de outrora era um sem rítmo de quem, com dificuldade, acompanhava a letra da música no teleprompter. No ar, o odor forte da maconha que queimava fácil sem que os usuários fossem abordados pelos poucos policiais presentes. Rapazes se beijavam abertamente protegidos pela modernidade dos tempos de homo presença liberada.
Não aguardamos sequer a quinta música. Resolvemos atravessar a Ponte José Sarney com destino ao bairro do São Francisco para conseguir um transporte que nos levasse de volta para casa. A proporção que nos distanciávamos da Beira-mar, lembrei de Lot deixando Sodoma, a cidade do pecado, que logo depois seria riscada do mapa juntamente com Gomorra. Os comunistas acabaram com o carnaval de São Luís.
Enquanto atravessávamos a Ponte eu fiz esse vídeo. No peito a dor de ver o que fizeram conosco. Na mente a esperança de que dias melhores virão.
Aonde foi parar meu carnaval? Ficou no passado. Dele restaram as lembranças e a esperança de que em 2019 possamos estar trazendo ele de volta outra vez. Alguém poderia perguntar: Alcione não se apresentou no Carnaval de São Luís? Respondo: não. Alguém deve ter achado que Elza Soares, Pinduca, Gaby Amarantos, Péricles, Fundo de Quintal e Maria Gadu representam melhor o carnaval maranhense e nossa cultura. Quanta sensibilidade!
Josimar Alves de oliveira
13 de fevereiro de 2018 at 17:14
É Dr Sérgio, bons tempos, só nos resta dar tempo ao tempo.
Sérgio Muniz
13 de fevereiro de 2018 at 19:00
Tempos idos que aguardo voltar
Anônimo
14 de fevereiro de 2018 at 16:00
Alcione ícone da cultura maranhense, fora do carnaval do Maranhão. Lamentável.
Sérgio Muniz
14 de fevereiro de 2018 at 16:18
Realmente lamentável. Lamentável também é a sensibilidade do atual governo do Maranhão