Homenagem

Roberto Carlos e eu

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Tem certas coisas que costumo atribuir ao destino ou à obra de Deus. Normalmente acontece quando não consigo encontrar uma explicação lógica para o que vejo ou vivo. Hoje aconteceu uma delas.

Não é segredo pra ninguém que sou um fã incondicional de música e, dentre aqueles que afagam meus ouvidos, Roberto Carlos ocupa posição de destaque, figurando num panteão de grandes nomes mundiais como Elvis, ABBA, Michael Jackson, Bee Gees, Júlio Iglesias e tantos outros. Bem eclético, portanto. Contudo, ele e Elvis tem em comum. Além do enorme talento musical, um pé no cinema. Essa experiência cinematográfica alcançava, na idolatria, também à minha mãezinha. Pois bem.

Ontem, véspera do meu aniversário (nasci em 01/06/1970, mesmo dia em que nasceram Bibi Ferreira e a ex-Governadora do Maranhão Roseana Sarney, dentre tantos outros famosos), me deparei no Canal Brasil com a maratona Roberto Farias (diretor de muitos sucessos Cinematográficos brasileiros), passando a parte final de Roberto Carlos e o Diamante Cor de Rosa (gostaria muito de tê-lo revisto) e, por perder esse, me posicionei para assistir aquele que viria em seguida: Roberto Carlos a 300 quilômetros por hora.

Confesso que me emocionei várias vezes (como se isso fosse muito difícil de acontecer), não pelo filme em si, visto que em muitos momentos reflete a realidade do nosso cinema àquela época (existem passagens em que, por exemplo, o Lalo, personagem do Roberto, está disputando a liderança da corrida contra o piloto Italiano e a imagem corta para uma disputa com o piloto inglês que só ocorreria depois que o carro do italiano quebrasse). Enfim, acabei por dando um spoiler antes de falar sobre o filme.

Roberto Carlos a 300 quilômetros por hora é um filme de dezembro de 1971 que foi recordista de bilheteria daquele ano. Conta a história de Lalo (Roberto Carlos), um mecânico de automóveis da empresa Ibirapuera veículos que, juntamente com seu chefe de oficina Pedro Navalha (Erasmo Carlos), sonha em ser piloto e vencer uma grande corrida.

A chance acontece quando o dono da concessionária, o ex-piloto Rodolfo Lara (Raul Cortez), inseguro em decorrência de um acidente que sofrera, desiste de participar de uma corrida Internacional que ocorreria em Interlagos, deixando contudo um carro competitivo e pronto, o qual acaba por ser pilotado por Lalo que heroicamente vence a corrida.

O filme conta com boa trilha sonora, mas são os acordes da música “De tanto amor” do Rei Roberto Carlos que faz toda a diferença e se justifica pelo amor platônico que o personagem Lalo nutre pela namorada do seu patrão, a Luciana (Libânia Almeida).

Foi um reencontro com minha infância e adolescência, considerando as várias vezes em que o filme foi reproduzido na sessão da tarde. Ver Roberto e Erasmo tão jovens, aassistir a um filme que foi um estrondoso sucesso e relembrar a minha mãe foi um senhor presente de aniversário. Hoje faço cinquenta e quatro anos. Não comemoro a data porque, há quatro anos, me preparava para fazê-lo aos cinquenta quando sobreveio a pandemia da covid-19 e com ela a internação da minha mãe e no dia 05 de junho de 2020 o seu falecimento. Como todo ano, a partir de então, permaneço em casa, recluso, contudo recebo aqueles amigos queridos que sempre fazem questão de me dar um abraço neste dia.

Se a véspera foi tão feliz, não posso dizer o mesmo do dia. Sempre me lembro de ter falado com a médica da UTI no dia do meu aniversário e pedido a ela que colocasse o telefone ao lado do ouvido da minha mãe para que eu pudesse falar com ela, mesmo sabendo que ela estava em coma induzido. Foi o presente que pedi e que me foi concedido. Disse a ela que naquele dia era o meu aniversário, mas que só comemoraria quando ela saísse do hospital.

Lembro que eu estava na garagem do prédio em que morava saindo com minha família. Disse que quando ela saísse eu iria preparar a comida que ela mais gostava, a qual comeríamos tomando uma cervejinha bem gelada. Foi a última vez que falei com ela.

Saber que ela melhorou significativamente a partir desse momento me alegra até hoje, mas sua partida naquele fatídico dia 05, por um erro médico, jamais será esquecida. Sei que a médica não errou porque quis. Prefiro acreditar que ela foi um instrumento da vontade de Deus. Contudo, essa cicatriz jamais fechará.

Por enquanto, tento seguir em frente, colando os cacos do que restou de mim. Se no filme a música “De tanto amor” reflete o sentimento de um homem por uma mulher, para mim, a estrofe inicial embala a saudade do grande e verdadeiro amor que eu tive

“Ah, eu vim aqui amor só pra me despedir
E as últimas palavras desse nosso amor, você vai ter que ouvir…”.

Hoje receberia a sua ligação me desejando feliz aniversário. Há quatro anos espero o que sei que nunca mais acontecerá. Preciso aceitar a vontade de Deus e seguir em frente. O universo precisa conspirar para que haja um recomeço diferente.

Não sei dizer a razão, mas parece que toda vez que eu programo algo que me faça reencontrar o caminho, que reacenda a chama da alegria de vivenciar um dia primeiro feliz, algo me puxa novamente para o passado e me faz mergulhar em uma profunda tristeza. Coincidência, talvez. Alguma explicação deve haver. Enquanto não alcanço a resposta, sigo com a única certeza que me resta: te amarei eternamente minha mãezinha querida.

Hoje terminarei o dia como ontem: somente Roberto Carlos e eu. Ou será que teremos mais alguém que nos faça sentir alegria em estar vivo? Esperemos…

2 Comments

  1. Fátima Macêdo

    26 de junho de 2024 at 03:13

    Dr. Sérgio, sempre o admirei por sua competência e notadamente pelo seu dom com a palavra e mais ainda com a sua escrita, mas hoje fiquei impressionada com a beleza desse texto, aliás, emocionada. Parabéns!

    • Sérgio Muniz

      30 de junho de 2024 at 23:36

      Obrigado Profa. Fátima. Fico feliz que tenha gostado

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