Eu tinha apenas 12 anos quando tudo aconteceu. Lembro de uma atmosfera diferente de 1978. já não teríamos mais Rivelino e nem Nelinho e Leão já não seria o nosso goleiro. Contudo, ninguém tinha dúvida de que teríamos uma chance enorme de ganhar a copa da Espanha, já que tínhamos certeza de que a copa da Argentina tinha sido tomada de nós pela força do regime militar daquele País. O que nós dava a certeza? tínhamos um esquadrão inigualável, capitaneado por um treinador que jogava pra frente.
Telê Santana conseguiu aquilo que muitos julgavam improvável. Montou uma equipe de craques que privilegiava a posse de bola e os deslocamentos constantes com passes curtos. A vocação para o ataque deslumbrou o mundo e não existia um único amante do futebol que não acreditasse que chegara a hora do tetra. Estávamos preparados e dando show. O time formado por Waldir Peres, Leandro, Oscar, Luizinho e Júnior, Toninho Cerezo, Falcão, Sócrates, Zico, Serginho Chulapa e Éder Aleixo tinha tudo para dar certo.
Waldir era o titular do gol do São Paulo (tinha na boa colocação e elasticidade seus pontos fortes, além de ser um exímio pegador de penaltis); Leandro era o melhor lateral direito que o futebol produziu; Oscar do São Paulo e Luizinho do Atlético formavam uma zaga sólida e na lateral esquerda estava o maestro Junior; Toninho Cerezo era uma cabeça de área que desarmava, mas que também sabia sair jogando e tinha ao seu lado Paulo Roberto Falcão, o Rei de Roma, que com classe distribuia o jogo e levava a equipe ao ataque; na meia direita tínhamos a eficiência e a genialidade do Dr. Sócrates e na meia esquerda estava ninguém menos que o inigualável galinho de Quintino, o maior ídolo da história do Flamengo. Zico era a inspiração para todos de como tratar a bola com carinho; No ataque tínhamos o goleador Serginho Chulapa, centro-avante rompedor e na ponta esquerda o eficiente Éder. Não tinha como dar errado. Foi uma sequência poucas vezes vistas de extraordinária demonstração de como jogar um bom futebol.
No primeiro jogo vencemos por 2 x 1 (gol de Sócrates e Éder) a União Soviética que tinha o maior goleiro do mundo, ninguém menos que Dasaev, o qual inspirou e muito um certo jovem de 12 (doze) anos que pretendia ser Jogador de Futebol. Lembro que nas peladas no bairro do Ipase, ao defender a bola eu gritava, imitando o narrador Luciano do Vale: defendeuuuu Dasaev.
No segundo jogo vencemos a Escócia por 4 x 1. Foi um passeio, com gol de Zico, Oscar, Éder e Falcão.
No terceiro jogo da primeira fase demos outro espetáculo, vencendo a Nova Zelândia por 4 x 0 com dois gol de Zico, um de Falcão e outro de Serginho. Classificamos para a segunda fase em primeiro lugar, seguidos pela União Soviética.
Na primeira partida da segunda fase vencemos nossos vizinhos argentinos por 3 x 1 com gol de Zico, Serginho e júnior. A seleção argentina tinha como base a seleção campeã de 1978, contando com Filiol, Olguin, Galvan, Passarella e Tarantini, tendo ainda craques como Ardiles, Bertoni e Kempes, além do magistral Diego Maradona. Entraram na taca.
No dia 05 de julho de 1982 entramos para aquele jogo que ficaria conhecido como o desastre do Sarriá (estádio aonde ocorreu a final da Copa). Disputaríamos a final contra a Itália do grande Dino Zoff e do goleador Paolo Rossi, que sequer iria disputar a Copa por ter estado suspenso em decorrência de envolvimento com a máfia das loterias. Antes tivesse ficado de fora. Fez os três gols que sofremos na derrota por 3 x 2 (para nós marcaram Sócrates e Falcão. Jogávamos pelo empate e infelizmente não conseguimos mantê-lo quando empatamos o jogo aos 68 minutos. Aos 74 minutos, a Itália trabalhou a bola e Paolo Rossi marcou o gol da vitória.
Chorei muito e choro até hoje quando lembro do jogo ou vejo a reprise dos jogos. Recentemente Pepe Guardiola (um dos maiores treinadores de futebol do mundo), ao ser perguntado por um jornalista brasileiro sobre a dinâmica de jogo de suas equipes, afirmou que os brasileiros ensinaram isso ao mundo com a Seleção de 1982. O futebol mundial nunca mais foi o mesmo a partir do Sarriá. Privilegiou-se por um tempo o futebol força em detrimento do futebol arte que fora derrotado. Contudo, até hoje, a Seleção brasileira de 1982 é reconhecida como a melhor de todos os tempos, melhor até que a Seleção de 1970 que contava com a genialidade de Pelé, Tostão, Rivelino e Gerson.
Quanto a mim, demorei 15 (quinze) dias para consegui terminar esse texto. Lembro que do meio das lágrimas que derramava naquele fatídico dia, vi a figura do meu pai levantando da sala e se dirigindo para o seu quarto também chorando. Foi a última vez que ele, um aficcionado torcedor, assistiu com a família um jogo de futebol.
Palavra que exprime memória de eventos passados e que, por algum motivo, ficam guardados no nosso subconsciente e que, em algum momento, se apresentam para nos fazer reviver bons momentos ou, quem sabe, apenas sentimentos bons que gostaríamos de reviver, se fizessem presentes outra vez.
Final de tarde, perdido na solidão de um instante, busquei no YouTube alguma música que me remetesse a momentos felizes e encontrei nos acordes iniciais de “Crying in The Rain” cantada pela banda norueguesa A-ha, a resposta para a minha busca.
Como em um passe de mágica, me veio à lembrança o comercial da Lacta sobre o chocolate Laka. O comercial mostrava um jovem imberbe, pré-adolescente talvez, indo ao encontro de sua namoradinha. Enquanto a aguardava e como ela demorava, acabou por comer o chocolate branco laka que havia levado para ela. Com a sua chegada, ele diz a ela: ” trouxe um laka para você “. Ela pergunta: “cadê?”. E ele, sem receio, lhe diz: ” tá aqui”, e lhe beija. Ela, feliz, diz em seguida: “Dá mais um pouquinho?”. Tudo tendo ao fundo essa icônica música. Um marco para a minha geração de nascidos no século XX. Imagino tantos quantos, nostálgicos como eu, se lembram desse momento singular.
O comercial, registre-se, foi produzido pela empresa W/Brasil, com a assinatura do publicitário Washington Olivetto, falecido recentemente em 2024. Considerado um marco da publicidade nacional, foi premiado com o “Leão de Ouro” em Cannes, consoante nos foi gentilmente informado por Polyana Amaral em nosso Instagram @sergiommuniz.
Os tempos mudaram. O politicamente correto tomou conta do mundo. Talvez hoje surgisse até quem se posicionasse contra a exibição desse conteúdo. Muitos prefeririam mostrar jovens do mesmo sexo ou mesmo adultos se relacionando. Afinal, esse seria o politicamente correto de hoje. Prefiro o passado. Questão de opinião.
Contudo, em que pese a singularidade do comercial apresentar um inocente beijo otimizado por um excelente chocolate branco (mensagem transmitida com excelência) e por uma música de melodia espetacular, penso hoje, impulsionado pelas facilidades da modernidade que nos disponibiliza a tradução da letra no YouTube, que esta não espelha a intenção do comercial. Com efeito, a canção aponta para uma separação e não para a única proposta no comercial.
Crying in The Rain (chorando na chuva) é uma música composta por Howard Greenfield e pela grande Carole King (uma das maiores compositoras americanas) e originalmente gravada pela dupla The Everly Brothers.
Contudo, foi no início da década de 90 que ela fez enorme sucesso na versão da Banda A-ha. Consoante se apresenta a seguir, a música fala de alguém que já não tem consigo seu grande amor e que afirma que suas lágrimas serão ocultadas pela chuva. Ela não saberá que ele ainda a ama, mesmo só restando mágoas. Por isso ele chorará sua tristeza na chuva.
É certo que muitos seguiram o exemplo do comercial. Marcaram o encontro, levaram o chocolate e repetiram a fala e o gesto para se entregar no romântico beijo.
Lembro com saudade dos momentos parecidos que vivi. Ter podido acompanhar algo parecido com minha filha e meu filho do meio me faz acreditar que ainda é possível sonhar com um romance juvenil, daqueles de outrora, daqueles do “Me Dá um Beijo” de 1989.
Sei que muitos pais da minha geração estão vivendo tudo isso, talvez até mesmo enquanto escrevo estas breves linhas.
Sendo apropriada a música ou não, ela marcou uma geração, seja pela época em que foi composta e usada, seja por refletir a realidade posterior de tantos que, um dia, acreditaram no romantismo do momento. Creram que o amor seria para sempre.
De uma forma ou de outra, chorar sob a chuva pode ser ainda uma boa opção. Apaixonado, ou não.
Hoje, 12 de agosto de 2024, tive meu primeiro contato com o filme I Can Only Imagine ou “Eu Só Posso Imaginar, o qual conta a história da relação conflituosa entre pai e filho, Arthur e Bart, vividos, respectivamente, por Dannis Quaid e J. Michael Finley. Resumidamente, Arthur é um pai opressor e agressivo que bate no filho e o desestimula a lutar pelos seus sonhos. O filho encontra na música a paz para os momentos de tristeza ou para abafar as discussões constantes entre seu pai e sua mãe. Mesmo sendo um promissor vocalista, Bart não consegue emplacar sua banda e decide, seguindo sugestão do seu agente, retornar para casa para resolver seus problemas e transformar sua mágoa em música. Mesmo descobrindo que seu pai agora se converteu após encontrar Jesus, Bart não consegue perdoá-lo e não se permite lhe dar uma segunda chance, somente vindo a fazê-lo depois de descobrir que seu pai era portador de câncer terminal, o que viria a lhe ceifar a vida pouco tempo depois de se reencontrarem como pai e filho no amor de Cristo. A música que dá nome ao filme, em que pese composta em homenagem ao seu pai Arthur, reflete o pensar do autor sobre como seria se relacionar pessoalmente com Jesus (ele ou seu pai), o que se constata pela tradução abaixo. Nela o autor afirma que
“Eu só posso imaginar como será Quando eu caminhar ao Teu lado
Eu só posso imaginar o que meus olhos verão Quando Teu rosto estiver diante de mim
Eu só posso imaginar, eu só posso imaginar
Cercado pela Tua glória, o que meu coração sentirá?
Eu dançarei para Ti, Jesus, ou, maravilhado, ficarei imóvel?
Eu ficarei de pé na Tua presença ou cairei de joelhos?”
Quisesse o autor de I can Only Imagine se dirigir ao seu pai carnal, melhor teria sido se o fizesse nas palavras de Fábio Júnior na inigualável música “Pai”.
Ouvir o louvor contido na lucubração “Eu só posso imaginar” (o autor imaginando como seria o encontro com Jesus), me reportou a uma lembrança que guardo com carinho e que envolve o cantor e compositor maranhense Helson Rodrigues. Sambista Boêmio em sua juventude, retornava ele de ônibus de uma roda de samba na praia quando ao passar em frente à Igreja de São Francisco de Assis no Bairro do São Francisco em São Luís do Maranhão, ouviu uma voz chamando-o para adentrar na igreja e conhecê-lo. Nunca mais saiu. Dentre tantas músicas que escreveu, “A Razão de Viver ” conta Jesus Cristo alcançando quem não queria ouví-lo. Está, portanto, em posição diametralmente oposta a I Can Only Imagine.
Dentre tantas relações conflituosas entre pais e filhos, chama atenção o fato de que, algumas vezes, se trata de um instrumento de elevação espiritual. Não há o desencarne enquanto não cumprir a missão do entendimento. Um alcançar da obra de Deus, tão bem descrito por Helson em sua obra. Fico imaginando o que se passa pela cabeça de uma mãe que acusa seu próprio fruto de práticas desonestas ou criminosas sabendo ser ele inocente, ou ainda de uma pessoa que vem a afirmar que seu ente próximo vive na lama e no lixo, para lhe diminuir, ou lhe atingir dizendo que o filho ouve música pelo mesmo motivo do personagem do filme. Ou ainda qualquer outra forma de atingir a sua psique atribuindo conduta dissociada da realidade.
Calúnias, difamações ou injúrias não poderiam jamais integrar uma relação familiar. Muito menos agressões físicas ou psicológica. É uma insanidade ou uma insensatez. Afinal, quem quer que alguém se destaque ou vença não lhe reduz a competitividade nem lhe deprime a alma. O dia desafiou reflexão sobre o tema. Concluí em Anderson Freire que, ao fim e ao cabo, valorosa é a prece acalma o meu coração para os ofendidos .
A relação familiar precisa repousar na paz e nos ensinamentos de Cristo. Afinal, como disse o poeta: não adianta ir para a igreja rezar e fazer tudo errado. Entre o sonho de encontrar Jesus e a busca dele pelo resgate da sua ovelha, tem que existir o querer. Por ora, eu só posso imaginar…
Das lembranças da minha infância, uma que sempre me foi muito presente foi ver, aos sábados e domingos, meu pai atravessar a Rua Amadeu Amaral, no Bairro do Ipase em São Luís (MA) e se sentar do lado oposto da calçada da nossa casa para pegar (sentir) um vento, jogar damas conosco ou ouvir as transmissões do seu rádio transglobe, modelo igual a esse que ilustra este texto. Esse tipo de rádio mudou a realidade de São Luís e deu a ela o epíteto de Jamaica Brasileira.
Foi através das ondas sonoras do rádio que os ludovicenses (como são conhecidas as pessoa nascida em São Luís do Maranhão), tiveram os primeiros contatos com uma música melodiosa oriunda do Caribe conhecida mundialmente como reggae.
A música jamaicana dominou o mundo sob os acordes da banda The Wailers e do vocal inigualável de Bob Marley.
A ele se seguiram os sucessos de Jimmy Cliff e Petter Tosh. Juntos eles formam a tríade dos gênios do reggae.
Muitos grandes nomes vieram depois deles, mas a marca indelével da sua obra embala até hoje os bailes mundo afora e por aqui não é diferente. A cada camisa vendida, estampada de verde e amarelo, contendo a foto de cada um deles, se reafirma o gosto pela música que eles semearam e que deu tantos frutos. A cada melô de sucesso (terminologia adotada para as músicas), elas são reproduzidas nas grandes radiolas (equipamentos de reprodução de música) espalhadas Estado do Maranhão a fora como a Itamaraty de Pinto e Pintinho ou nas pequenas unidades reprodutoras, como os rádios de pilha, ou CDs, DVD, MP3 ou qualquer outra forma de disseminação moderna da sonoridade, tocadas por DJs icônicos como Natty Nayfson, embalando as emoções e os corpos que, por essas bandas, dançam agarradinhos numa explosão de puro sentimento.
Cresci ouvindo a tríade. Depois deles Eric Donaldson, Dona Marie, e tantos outros.
Por aqui, indiscutível o sucesso e a precedência da Tribo de Jah, seja com músicas autorais, seja em grandes versões como “Uma onda que passou”. Eles são divisores de águas nesse seguimento e são, sem nenhuma sombra de dúvidas, a maior e mais expressiva banda do roots reggae nacional.
A cena regueira chamava a atenção do Brasil. Daqui também saíram Mano Bantu, Banda Guetus e Mystical Roots (tinha meu primo Junior Echoes e Luciana Simões entre os vocais), cujos shows lotavam todos os locais em que se apresentavam e que teve oportunidade de se apresentar em uma cena da novela “Da cor do Pecado” da Rede Globo.
Diria eu que era o reggae universitário da época, fazendo uma analogia com o sertanejo e o forró universitário.
Hoje, meu ex-aluno Mister Kleber (sim, do reggae também saem profissionais do direito), João Baydoun, filho de Fauzi da Tribo de Jah e a Banda Radio98 que tem nos vocais meu primo Rafael e nos teclados o incrível Marcelo Rebelo comandam o cenário do reggae em São Luís e região. Suas performances não deixam nada a dever aos grandes momentos do passado e sinalizam para a perenização desse swing caribenho que conquista a todos quantos com ele mantém contato.
Dos nossos clubes de reggae tão bem retratados na música regueiros guerreiros da Tribo de Jah ao Bar do Nelson e tantos outros, as raízes regueiras adquiridas pelas onda do rádio transglobe se mantém firmes, multiplicando adeptos e seguidores.
Espero que, algum dia, a Mystical Roots possa se reunir outra vez para uma série de shows ao estilo revival ou até mesmo com músicas novas. Sua vibe está fazendo falta neste novo cenário musical que se apresenta. Acho que eles ainda não pararam pra observar o quanto contemporânea é a música que produziram alhures.
Para essa imensa massa regueira digo: que venham muitas outras pedras de responsa para embalar os corações apaixonados do Maranhão, do Brasil e do Mundo. Com sucessos de ontem e de hoje.