“Quem me dera ao menos uma vez ter de volta todo o ouro que entreguei a quem conseguiu me convencer que era prova de amizade se alguém levasse embora até o que eu não tinha”.
Em que pese a estrofe inicial de índios, música icônica da Banda brasileira Legião Urbana, aponte para uma situação de arrependimento que teria ocorrido por ocasião do descobrimento (fato nunca reconhecido), melhor seria se refletisse uma insurgência contra o domínio a partir de então imposto, verdugo da liberdade vivida. Sentença de submissão consequente. Não viveríamos, em tese, sob o jugo da indicação da força pela ocupação de posição.
Lembro que nos meus estudos secundaristas, tínhamos Tupi, Tabajara, Guarani, e outras tribos guerreiras, chamadas Timbiras. Quisera tupã que a recepção dos visitantes não fosse apresentada em gentileza, mas em resistência. Talvez assim não se deixassem aqui os bandidos e condenados, mas homens honrados para lutar pela terra, em vez de negociantes, embrião das negociatas de hoje.
Em Y juca pirama (aquele que deve morrer), Gonçalves Dias narra a história do valoroso guerreiro Tupi que , temente pela morte do pai cego, pleiteia pela sobrevivência, para dele cuidar. É rejeitado ao sacrifício por ser considerado indigno ante sua fraqueza. Retornando ao convívio paterno, este os faz retornar aos Timbiras, pois a tradição do vencido era servir de pasto aos vencedores. Eis que célebre se torna o trecho:
«”Tu choraste em presença da morte?
Na presença de estranhos choraste?
Não descende o cobarde do forte;
Pois choraste, meu filho não és!
Possas tu, descendente maldito
De uma tribo de nobres guerreiros,
Implorando cruéis forasteiros,
Seres presa de via Aimorés.
“Possas tu, isolado na terra,
Sem arrimo e sem pátria vagando,
Rejeitado da morte na guerra,
Rejeitado dos homens na paz,
Ser das gentes o espectro execrado;
Não encontres amor nas mulheres,
Teus amigos, se amigos tiveres,
Tenham alma inconstante e falaz!
“Não encontres doçura no dia,
Nem as cores da aurora te ameiguem,
E entre as larvas da noite sombria
Nunca possas descanso gozar:
Não encontres um tronco, uma pedra,
Posta ao sol, posta às chuvas e aos ventos,
Padecendo os maiores tormentos,
Onde possas a fronte pousar.
“Que a teus passos a relva se torre;
Murchem prados, a flor desfaleça,
E o regato que límpido corre,
Mais te acenda o vesano furor;
Suas águas depressa se tornem,
Ao contacto dos lábios sedentos,
Lago impuro de vermes nojentos,
Donde fujas com asco e terror!
“Sempre o céu, como um teto incendido,
Creste e punja teus membros malditos
E oceano de pó denegrido
Seja a terra ao ignavo tupi!
Miserável, faminto, sedento,
Manitôs lhe não falem nos sonhos,
E do horror os espectros medonhos
Traga sempre o cobarde após si.
“Um amigo não tenhas piedoso
Que o teu corpo na terra embalsame,
Pondo em vaso d’argila cuidoso
Arco e frecha e tacape a teus pés!
Sê maldito, e sozinho na terra;
Pois que a tanta vileza chegaste,
Que em presença da morte choraste,
Tu, cobarde, meu filho não és.”
Mostra de valor na derrota se apresenta. Aquele que tomba, em seu canto de morte, suas glórias apresenta, para, com satisfação, de repasto se revista.
Já não se tem mais honra. A parvidez dos atos alcançam aplausos, mesmo que ocultos em promessas vis de lealdade.
Ao longo dos últimos anos, vi deputados estaduais sendo mantidos a pão e água e quando são tratados à base de vinho e caviar, mostram sua essência vassala, sindrômica, leal a quem os oprimiu. Síntese de coronelismo, enxada e voto, evolução, ou não?
Numa grita de – “eu estou aqui” – por interpostas pessoas ( quem já deveria ter entendido que a página virou, parece que não entendeu), se gravou uma das mais deploráveis cenas do filme político do Maranhão (e ainda se acha quem aplauda tamanho descalabro).
Se não fosse trágico, seria cômico.
A reunião na Presidência com a presença de parte dos oposicionistas, demonstrou que não existe limite pra desfaçatez. A presença parda do lado negro da força se mostrou entre saias e calças, deixando claro que o “ou dá ou desce” e o “deixa que aqui eu garanto” estão longe do obrigado por lutar comigo.
Findo o certame, venceu o texto e o contexto. Se firme no compromisso, encontraram no texto escrito a solução para o conflito. Venceu quem tinha contexto.
No final, ainda que atingida pela luta pelo poder, coube a quem de direito balbuciar a palavra final: venci.
Rememorando o canto indigenista, diria: Alarma! alarma! – O velho pára!
O grito que escutou é voz do filho,
Voz de guerra que ouviu já tantas vezes
Noutra quadra melhor. – Alarma! alarma! Esse momento só vale a pagar-lhe. Os tão compridos trances, as angústias,
Que o frio coração lhe atormentaram
De guerreiro e de pai: – vale, e de sobra.
Ele que em tanta dor se contivera,
Tomado pelo súbito contraste,
Desfaz-se agora em pranto copioso,
Que o exaurido coração remoça.
A taba se alborota, os golpes descem,
Gritos, imprecações profundas soam,
Emaranhada a multidão braveja,
Revolve-se, enovela-se confusa,
E mais revolta em mor furor se acende.
E os sons dos golpes que incessantes fervem,
Vozes, gemidos, estertor de morte
Vão longe pelas ermas serranias
Da humana tempestade propagando
Quantas vagas de povo enfurecido
Contra um rochedo vivo se quebravam.
Era ele, o Tupi; nem fora justo
Que a fama dos Tupis – o nome, a glória,
Aturado labor de tantos anos,
Derradeiro brasão da raça extinta,
De um jacto e por um só se aniquilasse.
Basta! Clama o chefe dos Timbiras,
Basta, guerreiro ilustre! Assaz lutaste,
E para o sacrifício é mister forças. –
O guerreiro parou, caiu nos braços
Do velho pai, que o cinge contra o peito,
Com lágrimas de júbilo bradando:
“Este, sim, que é meu filho muito amado!
Lutaste a derradeira batalha. Não sucumbiste aos verdugos timbiras e nem ao lado negro da força.
Prevaleceste, Iracema. Guerreira. Certamente descendente de uma nobre tribo. Guerreira da tribo Tupi.
Wellington
28 de março de 2024 at 01:30
Quando o sangue é o que menos importa ! Fiilho , lugar que que sempre me coloquei. Mas mesmo que póstuma, a referência de um parente direto chancela a esse amor recíproco e verdadeiro .
Sergio Muniz
28 de março de 2024 at 13:56
Sei disso meu amigo