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Homenagem

A marca negra da despedida

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Pouco mais de doze anos atrás resolvi implementar um desejo que alimentava desde a minha infância: produzir alimentos.

Sempre admirei quem dedicava a vida à árdua tarefa de alimentar o mundo, admiração esta que só aumentou quando passei a estudar as mais variadas possibilidades que o segmento agropecuário disponibiliza.

Todos vocês que me acompanham pelas redes sociais e que lêem meus escritos no blog sergiomuniz.com.br sabem que não escrevo a mais de um ano. Não sentia mais vontade de colocar no papel minha percepção sobre a atualidade e muito menos minhas memórias sobre tudo o quanto vi e vivenciei, sempre a tônica das minhas postagens. A razão? O falecimento precoce daquela que sempre foi minha primeira leitora. Quando eu acordava no dia seguinte da postagem sempre via que o primeiro comentário tinha sido dela. Ela era tão importante pra mim que conseguia até mesmo proteger o atual ocupante dos leões. Uma pessoa que tanto mal me fez, mas que, do alto de sua enorme grandeza, ela conseguiu perdoar. A memória da minha mãe ainda é e tenho certeza que será, para todo o sempre, extremamente presente na minha vida.

Hoje, contudo, senti uma necessidade enorme de escrever, de dividir com o mundo um sentimento que sempre trabalhei para abafar e que acreditava que jamais tomaria conta de mim.

Desde quando resolvi ser um produtor rural firmei a convicção de que, para exercer a atividade com êxito, eu não poderia me apegar à produção. Em 2011 eu já havia passado por algo parecido, mas nunca com a intensidade de hoje. Naquela época, minha filha Vanessa havia pedido para bater uma foto segurando um porquinho recém nascido: ela o chamou de Chester. Era realmente lindo. Branquinho e com uma expressão facial de vida que chamava a atenção. Ele jamais poderia imaginar, ante sua inconsciência, que nascera para fazer parte da cadeia alimentar humana. Aquela foto ficou registrada em nossa memória para sempre. Meses depois, aproveitando uma ida de meu sobrinho Toninho à fazenda, pedi que mandasse abater um leitão para consumo da nossa casa e ele, inadvertidamente, acabou por manda abater o mais bonito do plantel, o Chester, o leitão que havia se tornado de estimação da minha filha. Por mais triste que ela tivesse ficado, por mais lágrimas que ela tivesse derramado, eu não senti a mesma dor. Eu não acompanhara o abate e havia me fechado na carapaça do criador, aquele que não se vincula à cria, vez que ela, em algum momento, terá que partir. Nunca pensei que, um dia, sentiria a dor que senti no sábado.

Eu tinha deixado de ser produtor rural há um bom tempo. Fui abatido, como tantos outros empreendedores brasileiros, pela crise mundial. Retornei com o falecimento da minha mãe que queria me ver à frente da nossa pequena propriedade rural. A Recreio sempre foi, para ela, local de paz e harmonia com a natureza. Ela sabia que, de todos os seus filhos, eu era o único com inclinação para cuidar daquele pedaço de paraíso que ela tanto amava. Retornei com o firme propósito de tornar a propriedade uma área produtiva e lucrativa e, para tanto, fiz os investimentos que considerava imprescindíveis para o projeto. Não obtive o resultado pretendido, contudo o ponto principal continuava se mostrando promissor. Comprei inicialmente quatro leitoas para virarem matrizes reprodutoras e das crias delas, sempre manter as fêmeas e vender os machos. Hoje, passado um ano de muita dedicação, muitas viagens pra levar alimento in natura, inúmeras lavadas de pocilgas, reformas, pinturas, enfim, conseguimos atingir a marca de 24 fêmeas e 1 barrão top: o Baltazar.

Por um equívoco de um funcionário, acabamos por adquir uma fêmea de pelagem preta e cara branca, por ser a mais bonita de sua ninhada, a qual recebeu o nome de ‘Neguinha do Recurso’, por ser oriunda daquela localidade. Por uma falha, desta vez de manejo, nossa Neguinha emprenhou de Baltazar, bem antes de atingir o peso ideal para tanto. Dessa relação nasceram apenas duas fêmeas e um macho, o qual chamamos de Neguinho, vez que era idêntico à mãe em pelagem. Ele foi o primeiro a nascer.


Como todo primogênito, era maior e sempre conseguia um jeito de mamar mais que as irmãs, sendo o mais ativo da maternidade. Ele tinha uma característica muito peculiar: quando eu chegava, me olhava nos olhos como se quisesse me dizer algo. Eu entendia logo que era alguma insatisfação. Rapidamente, tentava melhorar tudo em volta. Lavava a pocilga, testava a temperatura da água dos bebedouros, colocava mais comidas nos cochos, etc. Sua alegria e vigor após essas ações me faziam acreditar que ele tinha a consciência de ser o causador da melhoria no ambiente.

Na época do seu nascimento, coincidiu da professora do meu filho do meio, passar como tarefa escolar a elaboração de um conto inédito. Contei pra ele o quanto Neguinho era ativo e presepeiro e ele acabou por escrever o texto “Neguinho, o porquinho encrenqueiro”, o qual foi considerado o melhor conto da turma. Quanta felicidade nos proporcionou aquele pequeno animal.

Semana passada, como sempre faço, mandei apartar o maior leitão do plantel para a entrega na semana seguinte. Não tive a percepção, contudo, que o Neguinho já estava nesse patamar. Como de costume, não estava presente no momento do abate, até porque depois de abatido e pelado todo leitão é igual, vez que as marcas de pêlo somem na etapa da pelagem ou despelagem, como chamam alguns. Contudo, hoje tudo foi diferente. Já cheguei no final da tarde para buscar o leitão da entrega, avaliar o que foi realizado na semana e orientar as próximas atividades. Ao ver a reforma das novas instalações da creche dos leitões, eu estava feliz com o sucesso das obras que planejamos, quando finalmente cheguei em casa para buscar o produto da entrega. Para minha surpresa, ao pedir que pendurassem o leitão para a tradicional filmagem da entrega, constatei que, em torno dos olhos, ainda estava uma área de pelo preto. Meu coração acelerou e a duras penas descobri que era o nosso Neguinho que jazia ali e que tinha tombado para a manutenção do meu projeto pecuário.

Coube ao meu amigo Aurivan, com sua habilidade de ex-açougueiro, retirar os pelos remanescentes e excluir dos meus olhos os registros daquele momento.

Da minha memória não é possível apagar. Um filme passa com suas traquinagens, seu olhar, sua esperteza. Desde que cheguei em casa e olhei para o meu filho, autor do conto vencedor, que não paro de chorar. Não consigo retirar da lembrança os olhos expressivos de Neguinho, o porquinho encrenqueiro.

Mesmo abatido, com as marcas negras do seu pelo em torno dos olhos, ele me transmitiu a mensagem de que não veio ao mundo em vão. Ele me marcou, marcou minha família e transmitirá alegria mesmo depois de abatido, alimentando várias pessoas que se confraternizarão para comemorar e degustar um alimento especial, fruto de genética diferenciada e do protocolo alimentar que lhe garantiu um maior marmoreio da carne e um sabor diferenciado de todos os outros suínos antes experimentados.

Ele viverá para sempre nas letras escritas por Sérgio Filho e em tantas outras que virão por aí, fruto da alegria que ele sempre transmitiu. Haveremos de contar muitas de suas traquinagens.

Espero piamente que este registro de hoje seja o descortinar de um novo tempo, de novos e intrigantes textos, os quais espero voltar a escrever outra vez.

Beijo no coração de todos.

5 Comments

5 Comments

  1. Pingback: teste – Blog do Sérgio Muniz

  2. Ely joselio

    19 de julho de 2021 at 22:35

    Muito bacana o texto, vivo experiências bem semelhantes, também tenho uma propriedade rural onde me refugio nos finais de semana.

    • Sergio Muniz

      19 de julho de 2021 at 23:41

      Aceito um convite para conhecer

  3. Natascha

    20 de julho de 2021 at 10:10

    Parabéns p/ superação em vários aspectos.👏🏻👏🏻👏🏻
    Triste p/ Neguinho.😔
    🤝

    • Sergio Muniz

      20 de julho de 2021 at 13:44

      Obrigado

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Homenagem

Guerreira da tribo Tupi.

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“Quem me dera ao menos uma vez ter de volta todo o ouro que entreguei a quem conseguiu me convencer que era prova de amizade se alguém levasse embora até o que eu não tinha”.

Em que pese a estrofe inicial de índios, música icônica da Banda brasileira Legião Urbana, aponte para uma situação de arrependimento que teria ocorrido por ocasião do descobrimento (fato nunca reconhecido), melhor seria se refletisse uma insurgência contra o domínio a partir de então imposto, verdugo da liberdade vivida. Sentença de submissão consequente. Não viveríamos, em tese, sob o jugo da indicação da força pela ocupação de posição.

Lembro que nos meus estudos secundaristas, tínhamos Tupi, Tabajara, Guarani, e outras tribos guerreiras, chamadas Timbiras. Quisera tupã que a recepção dos visitantes não fosse apresentada em gentileza, mas em resistência. Talvez assim não se deixassem aqui os bandidos e condenados, mas homens honrados para lutar pela terra, em vez de negociantes, embrião das negociatas de hoje.

Em Y juca pirama (aquele que deve morrer), Gonçalves Dias narra a história do valoroso guerreiro Tupi que , temente pela morte do pai cego, pleiteia pela sobrevivência, para dele cuidar. É rejeitado ao sacrifício por ser considerado indigno ante sua fraqueza. Retornando ao convívio paterno, este os faz retornar aos Timbiras, pois a tradição do vencido era servir de pasto aos vencedores. Eis que célebre se torna o trecho:

«”Tu choraste em presença da morte?
Na presença de estranhos choraste?
Não descende o cobarde do forte;
Pois choraste, meu filho não és!
Possas tu, descendente maldito
De uma tribo de nobres guerreiros,
Implorando cruéis forasteiros,
Seres presa de via Aimorés.
“Possas tu, isolado na terra,
Sem arrimo e sem pátria vagando,
Rejeitado da morte na guerra,
Rejeitado dos homens na paz,
Ser das gentes o espectro execrado;
Não encontres amor nas mulheres,
Teus amigos, se amigos tiveres,
Tenham alma inconstante e falaz!
“Não encontres doçura no dia,
Nem as cores da aurora te ameiguem,
E entre as larvas da noite sombria
Nunca possas descanso gozar:
Não encontres um tronco, uma pedra,
Posta ao sol, posta às chuvas e aos ventos,
Padecendo os maiores tormentos,
Onde possas a fronte pousar.
“Que a teus passos a relva se torre;
Murchem prados, a flor desfaleça,
E o regato que límpido corre,
Mais te acenda o vesano furor;
Suas águas depressa se tornem,
Ao contacto dos lábios sedentos,
Lago impuro de vermes nojentos,
Donde fujas com asco e terror!
“Sempre o céu, como um teto incendido,
Creste e punja teus membros malditos
E oceano de pó denegrido
Seja a terra ao ignavo tupi!
Miserável, faminto, sedento,
Manitôs lhe não falem nos sonhos,
E do horror os espectros medonhos
Traga sempre o cobarde após si.
“Um amigo não tenhas piedoso
Que o teu corpo na terra embalsame,
Pondo em vaso d’argila cuidoso
Arco e frecha e tacape a teus pés!
Sê maldito, e sozinho na terra;
Pois que a tanta vileza chegaste,
Que em presença da morte choraste,
Tu, cobarde, meu filho não és.”

Mostra de valor na derrota se apresenta. Aquele que tomba, em seu canto de morte, suas glórias apresenta, para, com satisfação, de repasto se revista.

Já não se tem mais honra. A parvidez dos atos alcançam aplausos, mesmo que ocultos em promessas vis de lealdade.

Ao longo dos últimos anos, vi deputados estaduais sendo mantidos a pão e água e quando são tratados à base de vinho e caviar, mostram sua essência vassala, sindrômica, leal a quem os oprimiu. Síntese de coronelismo, enxada e voto, evolução, ou não?

Numa grita de – “eu estou aqui” – por interpostas pessoas ( quem já deveria ter entendido que a página virou, parece que não entendeu), se gravou uma das mais deploráveis cenas do filme político do Maranhão (e ainda se acha quem aplauda tamanho descalabro).

Se não fosse trágico, seria cômico.

A reunião na Presidência com a presença de parte dos oposicionistas, demonstrou que não existe limite pra desfaçatez. A presença parda do lado negro da força se mostrou entre saias e calças, deixando claro que o “ou dá ou desce” e o “deixa que aqui eu garanto” estão longe do obrigado por lutar comigo.

Findo o certame, venceu o texto e o contexto. Se firme no compromisso, encontraram no texto escrito a solução para o conflito. Venceu quem tinha contexto.

No final, ainda que atingida pela luta pelo poder, coube a quem de direito balbuciar a palavra final: venci.

Rememorando o canto indigenista, diria:   Alarma! alarma! – O velho pára!
O grito que escutou é voz do filho,
Voz de guerra que ouviu já tantas vezes
Noutra quadra melhor. – Alarma! alarma! Esse momento só vale a pagar-lhe. Os tão compridos trances, as angústias,
Que o frio coração lhe atormentaram
De guerreiro e de pai: – vale, e de sobra.
Ele que em tanta dor se contivera,
Tomado pelo súbito contraste,
Desfaz-se agora em pranto copioso,
Que o exaurido coração remoça.
A taba se alborota, os golpes descem,
Gritos, imprecações profundas soam,
Emaranhada a multidão braveja,
Revolve-se, enovela-se confusa,
E mais revolta em mor furor se acende.
E os sons dos golpes que incessantes fervem,
Vozes, gemidos, estertor de morte
Vão longe pelas ermas serranias
Da humana tempestade propagando
Quantas vagas de povo enfurecido
Contra um rochedo vivo se quebravam.
Era ele, o Tupi; nem fora justo
Que a fama dos Tupis – o nome, a glória,
Aturado labor de tantos anos,
Derradeiro brasão da raça extinta,
De um jacto e por um só se aniquilasse.

Basta! Clama o chefe dos Timbiras,

Basta, guerreiro ilustre! Assaz lutaste,

E para o sacrifício é mister forças. –
O guerreiro parou, caiu nos braços
Do velho pai, que o cinge contra o peito,
Com lágrimas de júbilo bradando:
“Este, sim, que é meu filho muito amado!

Lutaste a derradeira batalha. Não sucumbiste aos verdugos timbiras e nem ao lado negro da força.

Prevaleceste, Iracema. Guerreira. Certamente descendente de uma nobre tribo. Guerreira da tribo Tupi.

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Homenagem

Eu só posso imaginar

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Hoje, 12 de agosto de 2024, tive meu primeiro contato com o filme I Can Only Imagine ou “Eu Só Posso Imaginar, o qual conta a história da relação conflituosa entre pai e filho, Arthur e Bart, vividos, respectivamente, por Dannis Quaid e J. Michael Finley. Resumidamente, Arthur é um pai opressor e agressivo que bate no filho e o desestimula a lutar pelos seus sonhos. O filho encontra na música a paz para os momentos de tristeza ou para abafar as discussões constantes entre seu pai e sua mãe. Mesmo sendo um promissor vocalista, Bart não consegue emplacar sua banda e decide, seguindo sugestão do seu agente, retornar para casa para resolver seus problemas e transformar sua mágoa em música. Mesmo descobrindo que seu pai agora se converteu após encontrar Jesus, Bart não consegue perdoá-lo e não se permite lhe dar uma segunda chance, somente vindo a fazê-lo depois de descobrir que seu pai era portador de câncer terminal, o que viria a lhe ceifar a vida pouco tempo depois de se reencontrarem como pai e filho no amor de Cristo. A música que dá nome ao filme, em que pese composta em homenagem ao seu pai Arthur, reflete o pensar do autor sobre como seria se relacionar pessoalmente com Jesus (ele ou seu pai), o que se constata pela tradução abaixo. Nela o autor afirma que

“Eu só posso imaginar como será Quando eu caminhar ao Teu lado

Eu só posso imaginar o que meus olhos verão Quando Teu rosto estiver diante de mim

Eu só posso imaginar, eu só posso imaginar

Cercado pela Tua glória, o que meu coração sentirá?

Eu dançarei para Ti, Jesus, ou, maravilhado, ficarei imóvel?

Eu ficarei de pé na Tua presença ou cairei de joelhos?”

Quisesse o autor de I can Only Imagine se dirigir ao seu pai carnal, melhor teria sido se o fizesse nas palavras de Fábio Júnior na inigualável música “Pai”.

Ouvir o louvor contido na lucubração “Eu só posso imaginar” (o autor imaginando como seria o encontro com Jesus), me reportou a uma lembrança que guardo com carinho e que envolve o cantor e compositor maranhense Helson Rodrigues. Sambista Boêmio em sua juventude, retornava ele de ônibus de uma roda de samba na praia quando ao passar em frente à Igreja de São Francisco de Assis no Bairro do São Francisco em São Luís do Maranhão, ouviu uma voz chamando-o para adentrar na igreja e conhecê-lo. Nunca mais saiu. Dentre tantas músicas que escreveu, “A Razão de Viver ” conta Jesus Cristo alcançando quem não queria ouví-lo. Está, portanto, em posição diametralmente oposta a I Can Only Imagine.

Dentre tantas relações conflituosas entre pais e filhos, chama atenção o fato de que, algumas vezes, se trata de um instrumento de elevação espiritual. Não há o desencarne enquanto não cumprir a missão do entendimento. Um alcançar da obra de Deus, tão bem descrito por Helson em sua obra. Fico imaginando o que se passa pela cabeça de uma mãe que acusa seu próprio fruto de práticas desonestas ou criminosas sabendo ser ele inocente, ou ainda de uma pessoa que vem a afirmar que seu ente próximo vive na lama e no lixo, para lhe diminuir, ou lhe atingir dizendo que o filho ouve música pelo mesmo motivo do personagem do filme. Ou ainda qualquer outra forma de atingir a sua psique atribuindo conduta dissociada da realidade.

Calúnias, difamações ou injúrias não poderiam jamais integrar uma relação familiar. Muito menos agressões físicas ou psicológica. É uma insanidade ou uma insensatez. Afinal, quem quer que alguém se destaque ou vença não lhe reduz a competitividade nem lhe deprime a alma. O dia desafiou reflexão sobre o tema. Concluí em Anderson Freire que, ao fim e ao cabo,  valorosa é a prece acalma o meu coração para os ofendidos .

A relação familiar precisa repousar na paz e nos ensinamentos de Cristo. Afinal, como disse o poeta: não adianta ir para a igreja rezar e fazer tudo errado. Entre o sonho de encontrar Jesus e a busca dele pelo resgate da sua ovelha, tem que existir o querer. Por ora, eu só posso imaginar…

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Homenagem

Quem quer viver para sempre?

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Em 1986 completei dezesseis anos de idade. Já naquela época tinha certeza que queria me tornar advogado. Não por acaso, acabei por acompanhar, com atenção, os trabalhos e as discussões da constituinte que, convocada em 1985 pelo Presidente José Sarney, culminaria anos depois com a Constituição Federal do Brasil de 1988. Além do meu aniversário, guardo na memória o lançamento do filme Highlander – o guerreiro imortal.

Connor MacLeod (personagem de Christopher Lambert) é um jovem escocês que se descobre imortal após ser morto em combate e ressuscitar. Expulso do seu clã, vagou até a região das Highlands, na Escócia, e ali viveu até a morte de sua amada esposa Heather. Foi lá que conheceu aquele que se tornaria seu grande amigo e mentor, o também imortal Juan Sanches Villa-Lobos Ramirez (Personagem de Sean Connery) que o ensina a lutar e lhe esclarece sobre sua condição de imortal, a qual somente deixaria de prevalecer se porventura viesse a ter a cabeça destacada do corpo. Informou-lhe que permaneceria imortal se isso não acontecesse e que os últimos imortais seriam atraídos para um local distante em que haveria um grande combate, no qual só poderia restar um imortal vivo.

Imortal também é a forma como são conhecidos os grandes nomes da nossa literatura e que são laureados com a honra de integrarem as nossas Academias de Letras. Vários maranhenses tiveram a honra de integrar a Academia Brasileira de Letras (José Sarney e Ferreira Goulart são exemplos recentes). Aqui no Maranhão, a Academia Maranhense de Letras, também chamada “Casa de Antônio Lobo”, contou com inúmeros nomes expressivos da nossa literatura, alguns dos quais tive a honra de conhecer pessoalmente, acesso que me foi permitido devido aos laços de amizade que uniam este grandes vultos da nossa literatura ao meu pai, Antônio José Muniz. Destaco, dentre tantos, José Sarney, Milson e Elsior Coutinho , Benedito Buzar, Lourival Serejo, Joaquim Haickel e Joaquim Itapary. Mais recentemente, meus professores Alberto José Tavares Vieira da Silva e Reynaldo Soares da Fonseca,  e os amigos Felix Alberto, Daniel Blume e Alexandre Lago passaram a integrar esse seleto grupo, razão pela qual chamo-os desde então de Highlander, vez que sempre foram guerreiros, e posteriormente tornaram-se imortais.

A trilha sonora de Highlander – o guerreiro imortal coube ao grupo Queen e foi a música “Who Wants to Live Forever” (Quem quer viver para sempre), aquela que mais se destacou, passando a viver em minhas recordações.

Hoje o Maranhão perdeu não somente um imortal na melhor acepção da palavra, mas um homem integro, técnico preparadíssimo, historiador, cronista, ensaísta, professor, marido amoroso, avô, bisavô, amigo fiel e, para mim, além de tudo, pai presente dos meus amigos Marko, Marcelo, Márcia e Maurício.

Incrível o silêncio ensurdecedor que fica para mim quando parte o pai ou a mãe de amigos queridos.

Dr. Joaquim Itapary de tantos, para mim e nossos amigos próximos era o Quinzão, uma pessoa exponencial, de fino trato, elegante, bom papo, humor afiado, sempre disposto a compartilhar sua enorme experiência de vida, seus causos, sua história e sua enorme sapiência. Como era bom e enriquecedor conversar com ele e ouví-lo falar, com entusiasmo, sobre seus escritos. Foi assim quando nos contou, por exemplo, sobre Hitler no Maranhão. Também quando se reportava a sua querida São Bento, cidade da baixada maranhense, nosso próprio pantanal.

Ele foi chefe e amigo pessoal do meu pai. Esteve conosco várias vezes em Santa Rita. Dos fiéis amigos que frequentavam nossa casa, como Elsior Coutinho, Benedito Buzar, Benedito Primeiro e Benedito Terceiro, Baima Serra, ele era o recordista de presenças. Gostava das conversas, da boa comida e dos ares do campo, sempre atento para algo que lhe despertasse a veia literária. Lembro de ver seus olhos brilhando quando papai contou a história do forno de cobre da nossa casa de farinha e como a JM se tornou a marca responsável por dar ao povoado Carema a fama de possuir a melhor farinha do Maranhão. Idem quando soube que três telas de Sâo Patrício foram pintadas na Europa por um renomado artista do século XVII e que uma delas, trazida para o Brasil pelo Conde Irlandês Bedford, está em Kelru, divisa entre Santa Rita e Itapecuru-mirim (MA), na Fazenda de mesmo nome, tendo pertencido ao casal Firmina (minha tia/avó, vez que irmã do meu avô paterno José Bonifácio) e Major Lima, e que as outras duas estão na Catedral de Saint Patrick, em Nova York. Ainda, quando ouvia falar sobre a construção da Ferrovia São Luís/Teresina e sua importância para o desenvolvimento do Maranhão. Lembro de sua empolgação contando histórias na casa de Wissam Malouf no Caúra, São José de Ribamar (MA). Belas lembranças que ficarão para sempre.

Ao longo dos meus cinquenta e quatro anos, ouvi muito falar sobre a busca incessante pela fonte da juventude ou até mesmo pelo Santo Graal, o cálice em que Jesus Cristo teria bebido na última ceia e que teria sido ainda receptáculo do seu sangue, responsável pela vida eterna daqueles que pudessem beber do líquido que nele fosse colocado. Me pergunto: viver para sempre pra quê?

A vida é uma sequência de aprendizados, conquistas, momentos e sentimentos que nos são dados por Deus para o cumprimento da nossa missão terrena. Convivemos com situações e pessoas que nos são importantes, fundamentais até, mas que, algum dia, partirão. Essa é essência da vida. Nascer, viver e morrer. O filme que ilustra este texto nos remete à reflexão sobre viver eternamente e a conclusão a que se chega é que, por mais que a vida eterna lhe permitisse influenciar gerações futuras, a dor de ver partir seus entes queridos sem envelhecer é tão negativa que o grande prêmio era poder envelhecer e morrer.

O normal, para os simples mortais, é viver, morrer e ser lembrando por filhos, netos e bisnetos. Depois disso qualquer um será apenas uma memória de alguém que teve alguma importância naquela contexto familiar. Para alguns poucos, contudo, sua produção em vida lhes reserva o panteão da história. Joaquim Salles de Oliveira Itapary Filho é um desses poucos que saem da vida para entrar para a história. A imortalidade, pois, não é física. É histórica e espiritual. Ele será para sempre lembrado não somente pelo grande homem que foi, mas pela sua produção literária de envergadura ímpar, notadamente no contexto histórico.

Num país em que a literatura não recebe o apoio devido e num Estado que cometeu o crime de transformar o seu órgão editor e incentivador da produção literária local num apêndice de uma secretaria (refiro-me ao Serviço de Imprensa e Obras Gráficas do Estado-SIOGE) – outrora Atenas Brasileira, hoje apenas – saber que um intelectual como Joaquim Itapary entra formalmente para a imortalidade soa como uma esperança de que, algum dia, a palavra escrita voltará a se fazer ouvir como se fez algum dia.

Talvez muito poucos almejem a honra de viver na memória daqueles cuja vida eles ajudarão, com sua obra, a inspirar. Joaquim ficará para sempre como o imortal cuja obra o tempo não apagará.

Quem quer viver para sempre? Somente aqueles que compreendem e vivem o processo para alcançar o propósito. Ele alcançou.

Descanse em paz meu amigo. A imortalidade lhe alcançou.

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