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Homenagem

A marca negra da despedida

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Pouco mais de doze anos atrás resolvi implementar um desejo que alimentava desde a minha infância: produzir alimentos.

Sempre admirei quem dedicava a vida à árdua tarefa de alimentar o mundo, admiração esta que só aumentou quando passei a estudar as mais variadas possibilidades que o segmento agropecuário disponibiliza.

Todos vocês que me acompanham pelas redes sociais e que lêem meus escritos no blog sergiomuniz.com.br sabem que não escrevo a mais de um ano. Não sentia mais vontade de colocar no papel minha percepção sobre a atualidade e muito menos minhas memórias sobre tudo o quanto vi e vivenciei, sempre a tônica das minhas postagens. A razão? O falecimento precoce daquela que sempre foi minha primeira leitora. Quando eu acordava no dia seguinte da postagem sempre via que o primeiro comentário tinha sido dela. Ela era tão importante pra mim que conseguia até mesmo proteger o atual ocupante dos leões. Uma pessoa que tanto mal me fez, mas que, do alto de sua enorme grandeza, ela conseguiu perdoar. A memória da minha mãe ainda é e tenho certeza que será, para todo o sempre, extremamente presente na minha vida.

Hoje, contudo, senti uma necessidade enorme de escrever, de dividir com o mundo um sentimento que sempre trabalhei para abafar e que acreditava que jamais tomaria conta de mim.

Desde quando resolvi ser um produtor rural firmei a convicção de que, para exercer a atividade com êxito, eu não poderia me apegar à produção. Em 2011 eu já havia passado por algo parecido, mas nunca com a intensidade de hoje. Naquela época, minha filha Vanessa havia pedido para bater uma foto segurando um porquinho recém nascido: ela o chamou de Chester. Era realmente lindo. Branquinho e com uma expressão facial de vida que chamava a atenção. Ele jamais poderia imaginar, ante sua inconsciência, que nascera para fazer parte da cadeia alimentar humana. Aquela foto ficou registrada em nossa memória para sempre. Meses depois, aproveitando uma ida de meu sobrinho Toninho à fazenda, pedi que mandasse abater um leitão para consumo da nossa casa e ele, inadvertidamente, acabou por manda abater o mais bonito do plantel, o Chester, o leitão que havia se tornado de estimação da minha filha. Por mais triste que ela tivesse ficado, por mais lágrimas que ela tivesse derramado, eu não senti a mesma dor. Eu não acompanhara o abate e havia me fechado na carapaça do criador, aquele que não se vincula à cria, vez que ela, em algum momento, terá que partir. Nunca pensei que, um dia, sentiria a dor que senti no sábado.

Eu tinha deixado de ser produtor rural há um bom tempo. Fui abatido, como tantos outros empreendedores brasileiros, pela crise mundial. Retornei com o falecimento da minha mãe que queria me ver à frente da nossa pequena propriedade rural. A Recreio sempre foi, para ela, local de paz e harmonia com a natureza. Ela sabia que, de todos os seus filhos, eu era o único com inclinação para cuidar daquele pedaço de paraíso que ela tanto amava. Retornei com o firme propósito de tornar a propriedade uma área produtiva e lucrativa e, para tanto, fiz os investimentos que considerava imprescindíveis para o projeto. Não obtive o resultado pretendido, contudo o ponto principal continuava se mostrando promissor. Comprei inicialmente quatro leitoas para virarem matrizes reprodutoras e das crias delas, sempre manter as fêmeas e vender os machos. Hoje, passado um ano de muita dedicação, muitas viagens pra levar alimento in natura, inúmeras lavadas de pocilgas, reformas, pinturas, enfim, conseguimos atingir a marca de 24 fêmeas e 1 barrão top: o Baltazar.

Por um equívoco de um funcionário, acabamos por adquir uma fêmea de pelagem preta e cara branca, por ser a mais bonita de sua ninhada, a qual recebeu o nome de ‘Neguinha do Recurso’, por ser oriunda daquela localidade. Por uma falha, desta vez de manejo, nossa Neguinha emprenhou de Baltazar, bem antes de atingir o peso ideal para tanto. Dessa relação nasceram apenas duas fêmeas e um macho, o qual chamamos de Neguinho, vez que era idêntico à mãe em pelagem. Ele foi o primeiro a nascer.


Como todo primogênito, era maior e sempre conseguia um jeito de mamar mais que as irmãs, sendo o mais ativo da maternidade. Ele tinha uma característica muito peculiar: quando eu chegava, me olhava nos olhos como se quisesse me dizer algo. Eu entendia logo que era alguma insatisfação. Rapidamente, tentava melhorar tudo em volta. Lavava a pocilga, testava a temperatura da água dos bebedouros, colocava mais comidas nos cochos, etc. Sua alegria e vigor após essas ações me faziam acreditar que ele tinha a consciência de ser o causador da melhoria no ambiente.

Na época do seu nascimento, coincidiu da professora do meu filho do meio, passar como tarefa escolar a elaboração de um conto inédito. Contei pra ele o quanto Neguinho era ativo e presepeiro e ele acabou por escrever o texto “Neguinho, o porquinho encrenqueiro”, o qual foi considerado o melhor conto da turma. Quanta felicidade nos proporcionou aquele pequeno animal.

Semana passada, como sempre faço, mandei apartar o maior leitão do plantel para a entrega na semana seguinte. Não tive a percepção, contudo, que o Neguinho já estava nesse patamar. Como de costume, não estava presente no momento do abate, até porque depois de abatido e pelado todo leitão é igual, vez que as marcas de pêlo somem na etapa da pelagem ou despelagem, como chamam alguns. Contudo, hoje tudo foi diferente. Já cheguei no final da tarde para buscar o leitão da entrega, avaliar o que foi realizado na semana e orientar as próximas atividades. Ao ver a reforma das novas instalações da creche dos leitões, eu estava feliz com o sucesso das obras que planejamos, quando finalmente cheguei em casa para buscar o produto da entrega. Para minha surpresa, ao pedir que pendurassem o leitão para a tradicional filmagem da entrega, constatei que, em torno dos olhos, ainda estava uma área de pelo preto. Meu coração acelerou e a duras penas descobri que era o nosso Neguinho que jazia ali e que tinha tombado para a manutenção do meu projeto pecuário.

Coube ao meu amigo Aurivan, com sua habilidade de ex-açougueiro, retirar os pelos remanescentes e excluir dos meus olhos os registros daquele momento.

Da minha memória não é possível apagar. Um filme passa com suas traquinagens, seu olhar, sua esperteza. Desde que cheguei em casa e olhei para o meu filho, autor do conto vencedor, que não paro de chorar. Não consigo retirar da lembrança os olhos expressivos de Neguinho, o porquinho encrenqueiro.

Mesmo abatido, com as marcas negras do seu pelo em torno dos olhos, ele me transmitiu a mensagem de que não veio ao mundo em vão. Ele me marcou, marcou minha família e transmitirá alegria mesmo depois de abatido, alimentando várias pessoas que se confraternizarão para comemorar e degustar um alimento especial, fruto de genética diferenciada e do protocolo alimentar que lhe garantiu um maior marmoreio da carne e um sabor diferenciado de todos os outros suínos antes experimentados.

Ele viverá para sempre nas letras escritas por Sérgio Filho e em tantas outras que virão por aí, fruto da alegria que ele sempre transmitiu. Haveremos de contar muitas de suas traquinagens.

Espero piamente que este registro de hoje seja o descortinar de um novo tempo, de novos e intrigantes textos, os quais espero voltar a escrever outra vez.

Beijo no coração de todos.

5 Comments

5 Comments

  1. Pingback: teste – Blog do Sérgio Muniz

  2. Ely joselio

    19 de julho de 2021 at 22:35

    Muito bacana o texto, vivo experiências bem semelhantes, também tenho uma propriedade rural onde me refugio nos finais de semana.

    • Sergio Muniz

      19 de julho de 2021 at 23:41

      Aceito um convite para conhecer

  3. Natascha

    20 de julho de 2021 at 10:10

    Parabéns p/ superação em vários aspectos.👏🏻👏🏻👏🏻
    Triste p/ Neguinho.😔
    🤝

    • Sergio Muniz

      20 de julho de 2021 at 13:44

      Obrigado

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Homenagem

O filho da promessa

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Em 2017 tive a oportunidade de escrever o texto “Ao Sagrado Coração de Jesus “, o qual viria a atualizar em 2019. Nele narro como se deu o surgimento do festejo de mesmo nome que é realizado em Carema todo mês de julho. Dizia eu àquela época:

“Dos oito filhos que tiveram (José Bonifácio e Hormígida), quatro já haviam nascido com grande dificuldade e muitas dores. Eram eles Sebastiana (Cecé), José Carlos, Theresinha de Jesus e Benedita (Bindoca). Após engravidar do quinto filho em 1937, D. Hormígida se entregou de vez à fé no Sagrado Coração de Jesus e fez a promessa de que se tivesse um parto normal e sem grandes dores, todos os anos lhe renderia homenagem mandando celebrar uma missa na capela que haveria de mandar construir e fariam uma grande Festa. Suas preces foram atendidas. O bebê, que recebeu o nome de José Ribamar, nasceu em 27 de julho de 1938 de um parto tranquilo, assim como todos os outros que vieram depois: José Bonifácio Filho (Zequinha Buranga), Raimunda (Dica) e Antonio José (Tote). Começava assim uma tradição que em 2019 ( quando atualizo este texto escrito em 2017) alcança 80 (oitenta anos) anos. Sempre no último sábado do mês de julho o Povoado Carema, edificado às margens da Ferrovia São Luís-Teresina, no município maranhense de Santa Rita, recebe o maior evento religioso da região, o festejo em homenagem ao Sagrado Coração de Jesus. Sim, neste ano a criança cujo nascimento ensejou a promessa, Ribamar Muniz, faz oitenta e um anos e o festejo oitenta, recaindo o último sábado de julho desta feita na data do seu aniversário.”

Ribamar cresceu. Tinha uma deficiência visual que lhe fez usar óculos desde muito cedo, o que acabou por lhe render o apelido que o acompanhou por toda a vida: Ribamar quatro olho.

Sempre muito comunicativo, mas de jeitinho manso, conquistava a todos com seu sorriso largo. Tinha muitos amigos e em decorrência dessas amizades, muitos compadres. Sempre me impressionava a quantidade de pessoas que se aproximavam dele e o cumprimentavam chamando-o de compadre.

Me acostumei a vê-lo andando de um lado para outro, de bicicleta ou, depois, de motocicleta, meio de transporte que ele tanto apreciava. Visionário, montou um comércio no bairro céu azul, entre Carema e a Sede de Santa Rita, consciente de que ali prosperaria, haja vista que seria natural o crescimento da cidade ao longo da Avenida General Rivas. Inúmeras vezes o via sentado no balcão de madeira aguardando seus clientes e amigos.

Sua enorme popularidade lhe rendeu vários mandatos de Vereador, tendo se tornado o decano da Câmara Municipal.

Neste ano de 2025, ele completaria 87 (oitenta e sete anos) e a data recairia no último final de semana de julho, por ocasião do festejo do Sagrado Coração de Jesus, evento criado em homenagem ao Pai pelo nascimento de um filho chamado José.

Na data de ontem, 18 de abril de 2025, ele descansou. Coincidentemente no mesmo dia em que Jesus Cristo entregou o seu espírito ao criador pela remissão dos pecados da humanidade.

Abençoada foi vovó Hormígida com teu nascimento. Abençoado foste tu, Ribamar, no momento do teu descanso. Foste grande durante a vida, muito maior na hora da morte. Agora estás do outro lado do caminho, de onde ajudarás a encaminhar os teus.

Siga a luz, meu tio. Santa Rita jamais esquecerá José Ribamar Muniz, o Ribamar quatro olho, o filho da promessa.

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Homenagem

Navegar é preciso

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Dizem que quando alguém gosta de resolver os problemas dos outros ele se torna advogado. Acredito que seja verdade. Não me recordo de outro motivo que me tenha trazido até aqui. Cada vez que presenciava uma injustiça, lá estava eu partindo em socorro.

Me formei Bacharel em Direito em 1993 e logo em seguida ingressei na Ordem dos Advogados do Brasil. Ano seguinte, partia eu para Brasília acalentando o sonho de melhor me qualificar para exercer a profissão que me escolheu. Sim, eu poderia ter sido jogador de futebol, médico, engenheiro, arquiteto, enfim, o que quisesse, mas desde muito cedo eu sentia que algo me dirigia para a advocacia e continuo hoje sendo advogado. Contudo, foi no Planalto Central que encontrei, além da qualificação profissional, um amor incondicional pelo mar. Ali descobri uma música dos poetas Nonato Buzar e Paulinho Tapajós (o mesmo autor de “andanças”, imortalizada na voz de Beth Carvalho) chamada Olho D’água, cantada com excelência pela maranhense Alcione.

Me acostumei a ouvir essa música sempre que saia do Olho d’água onde morava e hoje outra vez moro, seguindo pela Avenida Litorânea, cartão postal da nossa cidade São Luís do Maranhão. Na proa, a esperança de vencer na vida; na popa uma retaguarda que me garantia lutar pelos meus sonhos; a boreste, na linha do horizonte do mar do Maranhão, os navios que me acostumei a ver. Incrível como não se percebe a importância deles para o mundo. O transporte marítimo e o ferroviário são fundamentais para a economia mundial, dado seu baixo custo (e pensar que o Maranhão possui um modal completo formado por estradas, aeroporto internacional, ferrovias e um dos portos mais profundo do mundo, o Porto do Itaqui, sem contar o centro de lançamento de foguetes de Alcântara. Com tudo isso e mais terras férteis, índice pluviométrico alto e regular, segundo maior rebanho bovino do Nordeste, somos um dos Estados mais pobres do Brasil. Como pode?

Voltando ao mar, aos navios e aos portos, eles são responsáveis pela maior quantidade de carga deslocada no mundo. Em que pese o porto de Xangai, na China, Roterdã na Holanda e Itaqui, no Maranhão, serem aqueles que recebem os maiores graneleiros do mundo, apenas Xangai e Roterdã figuram entre os 10 (dez) maiores e mais movimentados (sete deles ficam na China, sendo o maior o de Xangai, um na Coreia do Sul, outro em Roterdã, na Holanda, e o outro em Singapura). O Porto do Itaqui figura entre os 10 maiores do Brasil.

A importância desse segmento para a economia mundial é enorme. Remonta séculos quando os fenícios (hoje libaneses) dominavam o comércio marítimo. Envolvidos diretamente na viabilização desse tipo de navegação estão a marinha mercante, a praticagem e os rebocadores, sem contar incontáveis trabalhadores que, com sua atividade operacional, fazem a roda girar. São bilhões de dólares envolvidos e milhões a cada operação.

De importância singular nesse contexto, a marinha mercante é o ramo civil da marinha que atua no comércio marítimo, conduzindo pessoas e cargas em navios de carga, navios-tanque e navios de cruzeiro. A praticagem é responsável pela condução dos navios até o porto. Eles figuram como “agentes do Estado” responsáveis por conduzir as embarcações e as cargas, em segurança, pelos canais, até a atracação nos portos e depois sua condução até mar aberto. Seja num porto fluvial ou marítimo em que atraquem grandes embarcações, ali estará um prático. Sem eles o navio não atraca. Por fim, os rebocadores atuam puxando (rebocando) os navios e auxiliando na sua atracação. A responsabilidade deles nesse processo é surreal e não por acaso, ascender à condição de Prático, demanda anos de preparação, fluência em línguas e muita determinação.

Meu filho do meio, Sérgio Murilo Filho, está iniciando o segundo ano do ensino médio. Prestou o ENEM como treinier em 2024, se saindo muito bem para uma primeira experiência. Atingiu 940 na redação e obteve quase 700 pontos nos demais conjuntos de prova. Está, portanto, no caminho certo. A fase, hoje, é de conhecer profissões e melhorar os resultados das provas.

Muitos anos atrás, conheci e me tornei amigo de um marinheiro mercante que tinha adquirido uma casa próximo da minha em um condomínio fechado aqui de São Luís. Nas nossas conversas ele me revelou o sonho de, algum dia, fazer o concurso para prático. Nos conhecemos em 2004. Desde os idos de 95/96 ele tinha ingressado na marinha mercante, já havia viajado parte do mundo quando, em 2008, aconteceu o concurso e ele foi aprovado. Se preparou por cerca de 13 anos para um concurso que não tinha data para acontecer. Ele é um dos 29 (vinte e nove) que integram a APEM (Associação dos Práticos do Estado do Maranhão), uma instituição que além de congregar os profissionais da área, ainda desempenha um relevante papel social junto às comunidades carentes.

Esta semana meu amigo recebeu a mim, minha esposa e meu filho para uma explanação sobre a sua importantíssima profissão. Ficamos maravilhados com a exposição, a importância da profissão, com a estrutura da Associação e a qualificação dos profissionais que a compõem. Posso testemunhar, sem medo de errar, que o Maranhão e o Brasil possuem um quadro de práticos dos melhores disponíveis no mercado, os quais se mantém atualizadissimos, dentre outras coisas, através do simulador de operação de praticagem, dos mais modernos existentes no mundo. Um orgulho de ver.

Aos membros da APEM nosso muito obrigado pela recepção e orientação. Quanto a você, amigo querido, faltam palavras para agradecer. Um dia, o prático Almir se dispôs a tirar suas dúvidas e lhe permitiu sonhar. Você correu atrás do sonho e o alcançou. Obrigado por nos apontar o norte, a proa de um novo amanhã. Espero, algum dia, poder retribuir, palestrando para sua filha sobre a minha profissão.

Hoje posso afirmar, sem a menor dúvida, que para movimentar a economia do mundo, para um País crescer, não adianta complicar. Para desenvolver, navegar é preciso.

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Homenagem

Guerreira da tribo Tupi.

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“Quem me dera ao menos uma vez ter de volta todo o ouro que entreguei a quem conseguiu me convencer que era prova de amizade se alguém levasse embora até o que eu não tinha”.

Em que pese a estrofe inicial de índios, música icônica da Banda brasileira Legião Urbana, aponte para uma situação de arrependimento que teria ocorrido por ocasião do descobrimento (fato nunca reconhecido), melhor seria se refletisse uma insurgência contra o domínio a partir de então imposto, verdugo da liberdade vivida. Sentença de submissão consequente. Não viveríamos, em tese, sob o jugo da indicação da força pela ocupação de posição.

Lembro que nos meus estudos secundaristas, tínhamos Tupi, Tabajara, Guarani, e outras tribos guerreiras, chamadas Timbiras. Quisera tupã que a recepção dos visitantes não fosse apresentada em gentileza, mas em resistência. Talvez assim não se deixassem aqui os bandidos e condenados, mas homens honrados para lutar pela terra, em vez de negociantes, embrião das negociatas de hoje.

Em Y juca pirama (aquele que deve morrer), Gonçalves Dias narra a história do valoroso guerreiro Tupi que , temente pela morte do pai cego, pleiteia pela sobrevivência, para dele cuidar. É rejeitado ao sacrifício por ser considerado indigno ante sua fraqueza. Retornando ao convívio paterno, este os faz retornar aos Timbiras, pois a tradição do vencido era servir de pasto aos vencedores. Eis que célebre se torna o trecho:

«”Tu choraste em presença da morte?
Na presença de estranhos choraste?
Não descende o cobarde do forte;
Pois choraste, meu filho não és!
Possas tu, descendente maldito
De uma tribo de nobres guerreiros,
Implorando cruéis forasteiros,
Seres presa de via Aimorés.
“Possas tu, isolado na terra,
Sem arrimo e sem pátria vagando,
Rejeitado da morte na guerra,
Rejeitado dos homens na paz,
Ser das gentes o espectro execrado;
Não encontres amor nas mulheres,
Teus amigos, se amigos tiveres,
Tenham alma inconstante e falaz!
“Não encontres doçura no dia,
Nem as cores da aurora te ameiguem,
E entre as larvas da noite sombria
Nunca possas descanso gozar:
Não encontres um tronco, uma pedra,
Posta ao sol, posta às chuvas e aos ventos,
Padecendo os maiores tormentos,
Onde possas a fronte pousar.
“Que a teus passos a relva se torre;
Murchem prados, a flor desfaleça,
E o regato que límpido corre,
Mais te acenda o vesano furor;
Suas águas depressa se tornem,
Ao contacto dos lábios sedentos,
Lago impuro de vermes nojentos,
Donde fujas com asco e terror!
“Sempre o céu, como um teto incendido,
Creste e punja teus membros malditos
E oceano de pó denegrido
Seja a terra ao ignavo tupi!
Miserável, faminto, sedento,
Manitôs lhe não falem nos sonhos,
E do horror os espectros medonhos
Traga sempre o cobarde após si.
“Um amigo não tenhas piedoso
Que o teu corpo na terra embalsame,
Pondo em vaso d’argila cuidoso
Arco e frecha e tacape a teus pés!
Sê maldito, e sozinho na terra;
Pois que a tanta vileza chegaste,
Que em presença da morte choraste,
Tu, cobarde, meu filho não és.”

Mostra de valor na derrota se apresenta. Aquele que tomba, em seu canto de morte, suas glórias apresenta, para, com satisfação, de repasto se revista.

Já não se tem mais honra. A parvidez dos atos alcançam aplausos, mesmo que ocultos em promessas vis de lealdade.

Ao longo dos últimos anos, vi deputados estaduais sendo mantidos a pão e água e quando são tratados à base de vinho e caviar, mostram sua essência vassala, sindrômica, leal a quem os oprimiu. Síntese de coronelismo, enxada e voto, evolução, ou não?

Numa grita de – “eu estou aqui” – por interpostas pessoas ( quem já deveria ter entendido que a página virou, parece que não entendeu), se gravou uma das mais deploráveis cenas do filme político do Maranhão (e ainda se acha quem aplauda tamanho descalabro).

Se não fosse trágico, seria cômico.

A reunião na Presidência com a presença de parte dos oposicionistas, demonstrou que não existe limite pra desfaçatez. A presença parda do lado negro da força se mostrou entre saias e calças, deixando claro que o “ou dá ou desce” e o “deixa que aqui eu garanto” estão longe do obrigado por lutar comigo.

Findo o certame, venceu o texto e o contexto. Se firme no compromisso, encontraram no texto escrito a solução para o conflito. Venceu quem tinha contexto.

No final, ainda que atingida pela luta pelo poder, coube a quem de direito balbuciar a palavra final: venci.

Rememorando o canto indigenista, diria:   Alarma! alarma! – O velho pára!
O grito que escutou é voz do filho,
Voz de guerra que ouviu já tantas vezes
Noutra quadra melhor. – Alarma! alarma! Esse momento só vale a pagar-lhe. Os tão compridos trances, as angústias,
Que o frio coração lhe atormentaram
De guerreiro e de pai: – vale, e de sobra.
Ele que em tanta dor se contivera,
Tomado pelo súbito contraste,
Desfaz-se agora em pranto copioso,
Que o exaurido coração remoça.
A taba se alborota, os golpes descem,
Gritos, imprecações profundas soam,
Emaranhada a multidão braveja,
Revolve-se, enovela-se confusa,
E mais revolta em mor furor se acende.
E os sons dos golpes que incessantes fervem,
Vozes, gemidos, estertor de morte
Vão longe pelas ermas serranias
Da humana tempestade propagando
Quantas vagas de povo enfurecido
Contra um rochedo vivo se quebravam.
Era ele, o Tupi; nem fora justo
Que a fama dos Tupis – o nome, a glória,
Aturado labor de tantos anos,
Derradeiro brasão da raça extinta,
De um jacto e por um só se aniquilasse.

Basta! Clama o chefe dos Timbiras,

Basta, guerreiro ilustre! Assaz lutaste,

E para o sacrifício é mister forças. –
O guerreiro parou, caiu nos braços
Do velho pai, que o cinge contra o peito,
Com lágrimas de júbilo bradando:
“Este, sim, que é meu filho muito amado!

Lutaste a derradeira batalha. Não sucumbiste aos verdugos timbiras e nem ao lado negro da força.

Prevaleceste, Iracema. Guerreira. Certamente descendente de uma nobre tribo. Guerreira da tribo Tupi.

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