Eu só queria dizer, ainda uma vez, adeus.

Uma das maiores riquezas do ser humano, sem dúvida, é o poder de guardar na memória imagens bonitas e pessoas de sua bem querência. Quando tudo isso se junta temos a recordação perfeita, a lembrança inesquecível. Como são marcantes aquelas que decorrem de belas passagens da sua infância. São registros que o tempo não apaga. Neste dia 14/06 aconteceu comigo.

Eu não tinha mais que onze anos quando meus pais nos levaram para conhecer o Rio de Janeiro. Fomos de VASP, uma das grandes companhias aéreas da época. Para que vocês possam se situar no tempo, o ano era 1981. Lembro como se fosse hoje a emoção de entrar naquele avião que parecia aos meus olhos inexperientes ser enorme. Em minha frente estão as belas comissárias de bordo vestidas de um azul belíssimo. Os passageiros super alinhados (meu pai viajava de terno e gravata como quase todos os homens que estavam a bordo), pareciam estar em um restaurante – uns fumavam e outros bebiam whisky, vinhos e cervejas -. No almoço foi servido um cardápio variado (eu comi carne) em umas caixinhas brancas com talheres que tinham no cabo grafado o nome VASP. Uma maravilha.

Não era apenas uma viagem de férias. Meus pais estavam nos levando para conhecer o incrível Rio de Janeiro, mas também para visitar parentes que moravam lá e com os quais eu e meus irmãos nunca tínhamos tido nenhum contato.

Desembarcamos no Galeão, hoje aeroporto Antonio Carlos Jobim, ao som da voz inigualável de Íris Lettieri (eram dela as orientações aos passageiros sobre os vôos e o portão de embarque) e nos deslocamos na Ilha do Governador até próximo da sede da Portuguesa carioca (hoje o ninho do urubu, Centro de Treinamento e campo do Flamengo) aonde ficava o apartamento dos meus tios Ubirajara e Nair, ela irmã mais velha de minha mãe Níusmar. Chegamos pro final da tarde. Netinho, filho deles, já não morava mais lá. Foi uma alegria só. O Bira foi nos mostrar o apartamento, seu magnífico equipamento de som que ficava em uma estante na sala, sua pequena oficina (ele fazia de tudo ali dentro) e o local onde dormiríamos. Lembro de minha tia dizendo pra mamãe nos botar para escovar os dentes e urinar para que não o fizéssemos no colchão. Nunca esqueci disso. Hehehe.

Acordei cedo e fui para a janela. Estava frio e tinha uma pequena neblina. Com alguma dificuldade pude ver que próximo dali tinha uma kombi aberta com um toldo na lateral aonde pessoas em fila compravam o pão e outras coisas para o café. Mais tarde, naquele mesmo local, crianças passaram a brincar com uma bolinha que era rebatida por um taco para derrubar três madeiras apoiadas uma nas outras (nunca soube nem jogar nem o nome desse jogo) e outras empinavam pipa, o que pra mim era estranho pois aqui usávamos papagaio. Enfim, o Rio tinha vida na minha faixa etária.

Lembro de termos levado quase duas horas no fusquinha do tio Bira para ir da Ilha do Governador até Jacarepaguá aonde fomos visitar meu tio Neomar, irmão de mamãe. Ele morava em Vila Valqueire com sua mulher Ligia e meus primos Neomar Junior, Jaqueline e Ritinha, a caçula. Foi uma farra. Jr tentou nos ensinar a tocar corneta que ele aprendera na escola (não emitimos uma única nota correta, mas ele ja demonstrava que aquele era o início de sua carreira musical). Brincamos muito com as meninas e tiramos onda do seu sotaque carregado.

Naquela viagem conhecemos ainda a Tia Inah de mamãe (ela e seu marido nos ensinaram a jogar buraco); Tio Donato (irmão do meu avô por parte de pai) e sua filha, Tia Lizete (um anjo de luz na terra) e sua família com quem depois passaríamos um agradável final de semana em Arraial do Cabo.

De todos esses parentes que citei pelo nome e que vivim no Rio, apenas Netinho, a tia Ligia, Neomar Junior, Jaqueline e Rita estão com vida. Os demais guardo vivos em minha memória, juntamente com os deliciosos momentos que passamos juntos naquela viagem inesquecível.

Meu tio Ubirajara faleceu ano passado e logo depois eu voltei ao Rio de Janeiro. Fui visitar minha tia Nair. Comigo estavam minha família e minha prima Jaqueline. Já não voltamos mais ao apartamento da minha infância. Fomos para uma casa para onde eles haviam se mudado. Aquela moradia foi o sonho de uma vida realizado. Ali também o Bira tinha seu estúdio (ele foi precursor das gravações de eventos em vídeo na Ilha do Governador), mas desta vez quem filmou tudo foi eu. Filmei minha tia já debilitada pela idade  avançada e pelas doenças que a estavam acometendo e encaminhei a filmagem para minha mãe via whatsapp para aplacar-lhe um pouco a saudade. Foram suas últimas imagens com vida.

Um ano depois de ter estado lá com ela, realizando meu sonho de reencontro com meu passado, juntamente com minha família, ela descansou e foi ao encontro do seu grande amor.

Eu só queria mais uma vez ter podido dizer obrigado. Eu só queria ter podido dizer, ainda uma vez, adeus.

Descanse em paz minha tia Nair.

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